Apesar de todo o avanço tecnológico dos últimos anos e de uma melhor compreensão da chamada engenharia de tecido, as chamadas lesões focais na cartilagem, ou lesões cartilaginosas seguem ainda como um grande desafio para a medicina esportiva, especialmente entre atletas profissionais.
Como já dito em outros artigos aqui no EU ATLETA, estas lesões podem ocorrer de forma traumática com impacto ou com lesão por uso e podem resultar em comprometimento grave do desempenho do exercício e desempenho esportivo. Podem levar ao comprometimento das atividades da vida diária e performance e isso é especialmente significante em esportes de alta intensidade, como basquete e futebol, que geralmente envolvem movimentos rápidos de aceleração, desaceleração e giro.
Depois do menisco e do ligamento cruzado anterior, a cartilagem articular do joelho é uma das estruturas mais frequentemente lesadas em atletas profissionais, especialmente entre jogadores de futebol. Além disso, o dano da cartilagem articular é considerado a causa mais importante de limitação da função do joelho e pode levar a alterações degenerativas de forma precoce na articulação do joelho durante e após a carreira esportiva profissional.
Entendendo o desafio da lesão de cartilagem
A ocorrência de lesões da cartilagem articular em atletas é maior do que na população geral. Os objetivos do tratamento variam consideravelmente entre atletas profissionais que dependem da sua performance diariamente daquele que é um atleta recreativo e joga sem intenções de carreira.
Altos encargos financeiros e a curta duração da carreira profissional influenciam as escolhas de tratamento para atletas profissionais que visam o retorno efetivo, com o mesmo desempenho de antes da lesão e de forma rápida.
Vários tratamentos cirúrgicos para lesões da cartilagem articular na população geral têm se mostrado eficazes. Jogadores recreativos esperam principalmente alívio da dor, restauração da função e possivelmente algum grau de exercício, enquanto jogadores profissionais, mesmo sem danos nas articulações, devem atingir os níveis anteriores de exercícios muito exigentes.
A situação acima cria um quadro clínico delicado e apresenta um dilema ético para os médicos. As estratégias de tratamento para atletas profissionais podem diferir daquelas para atletas recreacionais devido ao estresse indevido e intenso colocado na cartilagem regenerada e o desejo de reabilitação rápida. Obrigações para organizações esportivas profissionais também podem influenciar o processo de estratégias de tratamento orientadas para o paciente.
Portanto, entender a necessidade de regeneração de cartilagem de alta qualidade em esportes de alto rendimento é necessário e deve ser a base para a seleção terapêutica adequada e individualizada. A funcionalidade durante a carreira esportiva e a qualidade de vida posterior devem ser primordiais nessa decisão.
Dados estatísticos
Para jogadores de futebol, a intensidade de alta tensão e movimentos rotacionais no joelho é extremo, e para um jogador de futebol de classe mundial com um programa de treinamento rigoroso e até três partidas competitivas por semana é pior e bastante significativo.
A alta prevalência de lesão focal da cartilagem articular em atletas profissionais e recreativos (35%; intervalo 18%- 63%), em comparação com uma prevalência de 5,1% na população geral, indica uma carreira profissional muito exigente. Resultado lógico que destaca a necessidade de entender melhor o impacto e a avaliação dos resultados do tratamento.
Determinantes para escolha do tratamento de lesão da cartilagem em jogadores de futebol profissionais e recreativos
Além da experiência pessoal do cirurgião, familiaridade com as técnicas e disponibilidade de tecnologia, alguns fatores tem de serem levados em conta:
1. Tamanho importa!
Um defeito de 2 cm² em um jogador de futsal de 1,65 m de altura requer uma abordagem diferente em comparação a um defeito de 2 cm² em um jogador de volei de 2,00 m de altura (mesmo na mesma localização anatômica exata), pois o gesto esportivo e a biomecânica terão impacto direto na evolução da lesão.
2. Localização da lesão
Lesões em regiões diferentes do joelho podem resultar em sintomatologia diferente e impacto no desempenho.
3. O envolvimento ósseo é importante
O envolvimento do chamado osso subcondral, localizado logo abaixo da cartilagem pode indicar um prognóstico pior
4. Cirurgia anterior complica o processo de tomada de decisão
Como lesões de cartilagem pós-meniscectomia (retirada de menisco). Em casos assim, muitas vezes, acabamos indicando procedimentos que alteram o alinhamento das pernas como a osteotomia para reduzir o peso sobre a lesão.
5. A patologia concomitante precisa ser tratada
Insuficiência do LCA, Displasia troclear com instabilidade patelar, Ruptura meniscal lateral complexa, Alinhamento em varo do joelho.
6. O tempo é a chave
Quanto mais rápido e efetivo o tratamento, melhor
Quais técnicas de cirurgia para o reparo da cartilagem mostraram-se mais efetivas para atletas profissionais?
· Defeitos pequenos (até 1,5 cm2) funcionam bem com a mosaicoplastia, um transplante cartilaginoso em formato de plugue retirado do próprio paciente.
· Defeitos médios e grandes, a técnica conhecida como Membrana Autógena indutora de condrogenese (AMIC) ou biomembrana é indicada por seu potencial indutor na formação de tecido cartilaginoso rico em colégeno tipo 2, muito semelhante ao tecido nativo do atleta.
· Quando o osso logo abaixo da cartilagem (osso subcondral) está envolvido, a técnica conhecida como “sanduiche”, onde enxerto ósseo é também implantado na lesão produz melhores resultados.
Lesões da cartilagem junto a outras lesões no joelho – o que fazer?
As lesões da cartilagem articular são frequentemente acompanhadas de outras lesões do joelho, como o rompimento do ligamento cruzado anterior (LCA) e as rupturas do menisco com uma incidência de 16,6% de lesão grave da cartilagem articular em pacientes com ruptura aguda do ligamento cruzado.
Além disso, o aumento do atraso no tratamento até 3 anos após a lesão do LCA mostrou estar associado à maior incidência de lesão de cartilagem articular e lesão meniscal em grupos que fazem exercício e não fazem exercício. A detecção e o tratamento precoce das lesões do LCA em atletas é, portanto, muito importante e deve ser feito o mais rápido possível após o trauma. Se houver lesões da cartilagem articular durante a reconstrução do LCA, elas também devem ser tratadas diretamente.
O que as evidências dizem sobre as técnicas visando retorno rápido e efetivo ao esporte profissional?
- Tamanho da lesão cartilaginosa
Segundo a literatura, para lesões focais maiores que 2 cm2, a técnicas cirurgicas tiveram resultados clínicos significativamente piores e menor retorno aos esportes de alto rendimento em comparação com lesões menores que 2 cm usando as mesmas técnicas.
- Tempo da lesão
Para jogadores profissionais de futebol e outros atletas de alto nível com sintomas que duram menos que 12 meses, encontraram melhor resultado clínico e maior retorno ao esporte. As mesmas tendências são observadas na população geral, onde os pacientes com duração dos sintomas inferior a 2 anos apresentam melhores resultados clínicos em comparação com aqueles com duração dos sintomas superior a 2 anos.
- Idade
A idade tem sido um importante preditor, bem como também acontece na população em geral. Jogadores de futebol que retornaram com sucesso à competição após serem submetidos à técnica de Implante Autólogo eram significativamente mais jovens (<25 anos), e os melhores resultados clínicos gerais são observados em atletas e não atletas < 30 anos.
As influências tanto da duração dos sintomas quanto da idade do atleta com lesão focal da cartilagem articular são razões para buscar o tratamento precoce.
MENSAGEM FINAL
O tratamento de lesões de cartilagem no atleta continua sendo um desafio multifatorial e multidisciplinar, apesar de uma quantidade significativa de novas opções de tratamento disponíveis.
Um histórico baseado em evidências, avaliação clínica e radiológica e algoritmo de tratamento permite que o médico indique a abordagem correta e individualizada do atleta. A tomada de decisão compartilhada e os protocolos realistas de retorno ao jogo, ajustados às necessidades específicas do atleta, são obrigatórios para alcançar o resultado esperado.
Jogadores brasileiros que passaram por cirurgia para correção da lesão cartilaginosa e retornaram ao esporte:
O atacante Luan do Atlético-MG em 2016 e hoje atual jogador do Goiás Futebol Clube foi submetido a uma artroscopia no joelho direito por grave lesão no menisco e na cartilagem do joelho direito no ano que atuava pelo time mineiro. O jogador relata que ficou sob cuidados médicos e em acompanhamento com fisioterapeutas para retorno aos campos e dentre os tratamentos, foram implementados células-tronco no tecido da cartilagem para melhorar a cicatrização.
Em agosto de 2020 o atacante Luan Silva, do Palmeiras, também sofreu lesão cartilaginosa e foi submetido a cirurgia. Os resultados foram bastante satisfatórios após o procedimento e dentre as questões para a escolha do tratamento, a opção pela cirurgia foi devido a idade jovem que permitiria um maior tempo para a reabilitação.
Dedé, zagueiro do Cruzeiro-MG, após avaliações clínicas foi constatado edema ósseo devido lesão do ligamento cruzado posterior e pequena lesão na cartilagem. Foi necessário intervenção cirúrgica que foi bem-sucedida.
O atleta retornou ao esporte no mesmo ano da cirurgia em 2018. O empenho para a recuperação foi essencial e o atleta retornou bem. Recuperou a condição de titular, se destacou no time e ainda foi lembrado para amistosos da Seleção no segundo semestre.